Era manhã de mais um dia comum. Eis que ao longe, na rua de minha
residência, vinha eu: triste, pensativo e com uma lágrima querendo rolar-me no
focinho. Ao entrar em casa, senti um vazio, e logo me veio à lembrança do meu
querido e único amigo, o Amarelo Brincalhão. Talvez alguns pensem: “mas, se ai
no campus há bastante gato, por que você, Marcovaldo, só tem o Amarelo como
amigo?”
Explicarei. Quando fui abandonado aqui no Campus, eu era um felino muito
pequeno e acanhado. Ninguém da turma que morava por aqui me dava atenção, porém
o Amarelo Brincalhão foi o único a receber-me bem, deu-me as boas vindas,
cuidou de mim e ensinou-me as regras para conviver em uma residência
universitária. Por isso que eu o tenho com grande apreço. Ele ganhou meu
respeito, minha amizade, o meu coração. Brincávamos o dia todo, desde o nascer
do sol ao seu pôr. Dividíamos o mesmo punhado de ração e dormíamos juntos no
velho sofá da sala da residência.
Um dia marcou minha mente. Naquele dia não me sentia bem, parecia que
previa algo de ruim, não sabia o quê. Passamos o dia miando, e o tempo logo
passava. No final da tarde, como de costume, brincávamos. E nossa última
brincadeira foi ver quem atravessava mais rápido a rua, de um lado para o
outro. O mais veloz entre nós teria por prêmio o leite que acompanhava o
punhado de ração da noite. Mas logo começaram a aparecer outros gatos, todos querendo participar da
brincadeira. Surgia gato de todos os lados, vindos dos setores de aula, da
reitoria, dos departamentos. Haja gato. A brincadeira se espalhou feito
notícia, como se fosse uma aposta. Então, fui o primeiro. Lancei-me a
atravessar a rua, no momento não havia carros circulando, fui rápido e astuto.
Depois de mim, foi a vez do meu amigo Amarelo. Lembrei-me que ele já estava com
a idade um pouco avançada, mas mesmo assim não recusava minhas brincadeiras – não
enxergava muito bem. Correu! Atravessou a rua sem perceber que da sua esquerda
vinha um carro, e nele havia um velhinho no volante que também tinha a visão
imperfeita – e justamente naquele dia esquecera seus óculos, culpa da pressa.
Screeech! Iééé! Bam! Meu amigo foi atropelado. A cena foi
horrível. A batida foi muito forte, Amarelo foi ao alto e caiu na minha frente
do outro lado da rua, cheio de sangue e fraco, imóvel. No mesmo instante, o velhinho
saiu do carro, em prantos e o colocou em cima da calçada – demonstrando
preocupação para com o meu amigo. Porém, não podia fazer mais nada, a pulsação
do Amarelo estava fraca e ele quase nada respirava mais. Aproximei-me dele.
Então ele começou a miar para mim, baixinho, e disse em suas últimas miadas: “Marcovaldo,
se cuida, eu te amo, nunca me esquecerei de você”. Ele se foi – e assim percebi
que não temos 7 vidas, como disseram-me.
Sim, o meu melhor amigo
foi dessa vida para uma melhor. Deixou-me aqui, sozinho. Lembro-me dele todos
os dias e, por isso, decidi escrever essas palavras, acreditando que esta é uma
forma de homenageá-lo. Carrego, até hoje, a culpa pela sua morte, não era para
ter sugerido uma brincadeira tão arriscada e injusta. Amigo mesmo que você
esteja longe eu nunca deixarei de amá-lo, és para mim um tesouro que para
sempre guardarei no meu coração. Peço desculpas – mesmo sabendo que isso não o
trará à vida. Levarei todos os seus ensinamentos ao próximo, por toda vida.
Miau! O céu ganhou
mais uma constelação.
Patrícia Nunes.
Estudante de Comunicação Social- Publicidade e Proganda /UFRN
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